quarta-feira, 14 de novembro de 2012


ANESTESIA DA FÉ  - 
Pe. Jerônimo Gasques (13.11.2012)

Estamos anestesiados! Acobardados. Assustados. Espantados. Alarmados...
O que é anestesia? É aquela injeção que você recebe para não sentir dor alguma e que o mau não lhe faça mal. Ou a medicina responde:
“Anestesia é o estado de total ausência de dor e outras sensações durante uma operação, exame diagnóstico ou curativo. Ela pode ser geral, isto é, para o corpo todo; ou parcial, também chamada regional, quando apenas uma região do corpo é anestesiada. Sob o efeito de uma anestesia geral, você dorme. Com anestesia regional você pode ficar dormindo ou acordado, conforme a conveniência, embora parte de seu corpo fique anestesiada”.
A anestesia é um sintoma de indecisão total diante de fatos irrecusáveis. Vemos, mas não queremos reagir ou, talvez, não tenhamos forças, pois estamos anestesiados. Há dormência por todo o corpo, especialmente no Corpo Místico de Jesus. Relegamos ao sintoma nossas carências, medos e ausências.
A anestesia nos protege diante das perguntas e ficamos de boca aberta sem saber o que responder. A indecisão contraria a fé. Imaginem Abraão indeciso diante de Deus. De Maria diante da proposta do anjo. De José diante do sonho. De Davi, Jeremias, Dorothy...
Quando estamos decididos, temos que enfrentar as consequências; sem enfrentamento não existe vitória. Sobram elucubrações, pensamos com exagero, sem chegar a nenhuma definição. A indecisão interrompe a caminhada da vida. Corta o fio de esperança e mutila os servos de Deus.
            A anestesia está contaminando as comunidades e as Igrejas. A anestesia espiritual domina nossas emoções e nos tornamos insensíveis às dores humanas; não sentimos mais o clamor dos pobres e ficamos indiferentes às esmolas. Os esmolantes são uma profecia de que algo está errado entre os filhos de Deus. Deus nos fez no Paraíso e não com a sacola estendida para clamar a piedade dos transeuntes.
            Hoje se reza muito e age-se tão pouco. Tem gente que se preocupa em comungar de joelhos enquanto o irmão vive na lama e no charco da prostituição e das drogas. Aliciamos a juventude com os entorpecentes de uma religião falsa e oramos em línguas enquanto não entendemos o clamor dos miseráveis.
            Hoje muita gente diz ver Maria, mas não se digna de ver Jesus nos irmãos. Que contradição. Que barbaridades fizeram com a fé. A fé virou apenas um enfeite para se exibir.
            Vivemos buscando milagres e curas; promovemos missas e cultos de libertação enquanto o povo vive abandonado sem religião e sem uma nova evangelização que promova a vida em plenitude. Ainda, alguns têm a ilusão que salvarão o mundo a partir da religião.
            Criamos grupos de oração e nos recusamos em formar grupo de libertação das garras de Satanás. Somos prisioneiros de pregadores que apresentam um Cristo bonzinho e cheio de virtudes (não que não as tivesse), mas que não se digna olhar os leprosos, cegos e outros adoecidos sem atendimento médico e hospitalar.
            Ficamos anestesiados quando vemos certos padres de batina e com toda a tralha própria de alguém que se esqueceu do tempo e vive buscando conforto no passado distante. Vivem sonhando com o que era, embora não tenham consciência do agora. Apenas para confortar os inconformados com a nova doutrina da Igreja. Revestem-se do poder para oprimir e se distanciarem do povo. Disfarçam-se de bonzinhos!
            Anestesiados com o pecado, não vemos mais nada diferente. Contentamo-nos com é isso mesmo. O que fazer? Anestesiados com a felicidade alheia, nos extasiamos diante do desejo que fala mais alto. Somos conduzidos ao simulacro de um novo tempo de um Deus distante e protegido pelos herdeiros do conformismo, como se Deus necessitasse deles para sobreviver. Tal é a sanha desses imbecis!
            A dose da anestesia é tamanha que nos faz “endorfinados” diante dos pobres. Eles parecem não existir, apenas uma sombra; nem se lembram mais deles. Ficaram no esquecimento, no lúgubre espaço dos porões das sacristias.
            A anestesia fez de nossas homilias um espaço de vaidade humana. Um comício onde as palmas e ovações são constantes. O celebrante virou uma espécie de super star onde somente ele pode aparecer e o Cristo humilde, homem da cruz, fica à espera de sua vez na longa fila dos simples e desprezados.
            As palmas não são mais para Jesus; são aclamações dos milagres operados pelos teatrólogos dos palcos ilunimados com os holofotes da vaidade humana. Vertem-se lágrimas de consolo enquanto a consciência social fica prisioneira de alguns opositores. Nesse palco a cena é simplesmente de alguns privilegiados. O clube dos assistidos ensaia o novo formato de show onde os mesmos voltarão a brilhar!
            As orações são ungidas, embora não se saiba de que e nem se entende o que seja isso, mas é costume dizer. Todos dizem assim e os da fila, entorpecidos, recitam a mesma ladainha nos megafones da consciência. É a voz do espírito! Oram com unções provindas do além e dizem que é bíblico! Se Satanás fosse chocarreiro não teria tentado a Jesus! “Um pouco de ciência nos afasta de Deus. Muito, nos aproxima” (L. Pasteur).
            Para dar suporte a esse espetáculo as televisões e rádios dão a cobertura e afirmam que se Jesus estivesse por aqui faria a mesma coisa. Vejam o grau de petulância e de vaidade humana ao se compararem com Jesus, o virtuoso e mártir da Nazaré.
            Suspiro para que passe logo o efeito da anestesia e façamos a revolução do amor. Só um amor engajado, livre, sadio, cristão poderá salvar a Igreja e o mundo de tanta indiferença. Estamos morrendo por sonolência, de distância, de crença em pessoas e figuras humanas.
A síntese da fé cristã ensinada por Jesus de Nazaré: “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).

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